Entrada em vigor do AFIR e o impacto no quadro regulamentar português

Entrada em vigor do AFIR e o impacto no quadro regulamentar português

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Este mês entrou em vigor o regulamento europeu para as infraestruturas de combustíveis alternativos (AFIR), que vem trazer vários benefícios ao utilizador de veículos elétricos, entre os quais:

  1. Opção de pagamento por cartão bancário em todos os novos postos de potência igual ou superior a 50kW.
  2. Tarifas simples em €/kWh incluindo todas as taxas e impostos, para este meio de pagamento.

Embora o AFIR traga resposta às necessidades dos utilizadores nestes aspetos e um quadro regulamentar comum na União Europeia, as exigências do regulamento português mantêm-se. Nesta publicação explicamos como o AFIR interage com a legislação portuguesa, explicamos como as barreiras ao investimento privado em infraestrutura se mantêm inalteradas, e as nossas recomendações para ultrapassar estas barreiras. 

Numa publicação relacionada, apresentamos em anexo uma descrição dos papéis dos agentes no mercado da mobilidade elétrica e uma comparação com os agentes presentes noutros mercados.

O AFIR e impacto no utilizador

A 13 de abril iniciou-se o período de vigência do regulamento europeu para as infraestruturas de combustíveis alternativos (AFIR), que visa assegurar a boa disponibilidade de infraestrutura a todos os utilizadores (interoperabilidade) e fornecer a informação que os utilizadores necessitam para fazer melhores opções quando escolhem um posto para efetuar um serviço de carregamento. Sendo um regulamento, aplica-se automaticamente a todos os agentes de mercado nos países membros, incluindo Portugal, mesmo sem transposição para a lei portuguesa. A partir desta data, vão começar a haver algumas mudanças nos postos de carregamento. Apontamos especialmente para as seguintes mudanças, mais visíveis para o consumidor:

  1. Os operadores de postos de carregamento (OPCs) são obrigados a fornecer serviços de carregamento a qualquer utilizador através de um pagamento com cartão bancário em postos de potência igual ou superior a 50kW;
    1. Aplicável a novos postos a partir de 13 de abril de 2024.
    2. Postos existentes terão de ser adaptados a estas condições até 2027
  2. As tarifas para pagamento no local (ad-hoc) em postos de potêncial igual ou superior a 50kW terão de ser apresentadas em €/kWh para facilitar a comparação de preços entre postos, sendo também possível aplicar uma componente de tempo se o veículo estiver a ocupar o posto sem carregar.

Estas mudanças são bem vindas e vêm exatamente de encontro ao que os consumidores procuram, conforme os inquéritos previamente efetuados pela AMME. Não obstante, os pagamentos com cartão CEME não estão abrangidos pelo AFIR, pelo que é expectável que as tarifas de operação por minuto em vez de kWh continuem a ser bastante comuns. E por consequência, o utilizador tem necessariamente de continuar a usar simulações para poder comparar tarifas entre postos. Apela-se aos legisladores portugueses que forcem a simplificação tarifária nas tarifas OPC e CEME.

É de notar a particular ausência de resposta ao longo dos anos dos legisladores portugueses às reivindicações dos utilizadores de veículos elétricos em Portugal particularmente no que diz respeito a soluções alternativas de interoperabilidade, clareza de preços e aumento da densidade de pontos de carregamento, sendo que esta mudança surge apenas por força de um regulamento europeu. Um mercado em pleno desenvolvimento e inovação, de tanta importância para as metas do combate às alterações climáticas não pode ser abandonado pelos legisladores, especialmente dados os problemas apontados pelos utilizadores.

Conciliação do AFIR e RME

Note-se que dado que nada mudou na legislação portuguesa, os operadores da rede de carregamento têm que respeitar em simultâneo a regulamentação portuguesa e europeia. Este facto levanta alguns problemas que acabam por afetar o utilizador, não apenas devido à complexidade de todo o quadro regulamentar, como também devido à diferença no papel dos agentes de mercado conforme definido no AFIR e regulamento da mobilidade elétrica (RME) em vigor em Portugal. A solução possível à data de hoje está representada de forma simplificada no diagrama abaixo.

Por um lado, o pagamento por cartão bancário da tarifa ad-hoc continua a ter de se enquadrar no regulamento português. Isto significa que para respeitar a nova legislação e apresentar uma tarifa final por kWh, o OPC tem adicionalmente de obter uma licença de comercializador de energia (CEME), estabelecer um contrato de compra de energia a um comercializador do setor elétrico (CSE) e ligar-se à entidade gestora da mobilidade elétrica (MobiE) para poder faturar os consumos do cliente. Em alternativa, pode contratar estes serviços a terceiros, o que pode afetar negativamente a rentabilidade do investimento no posto de carregamento, e por consequência atrasar investimentos na infraestrutura necessária para suportar o desenvolvimento da mobilidade elétrica em Portugal.

Por outro lado, os operadores em Portugal terão que continuar obrigatoriamente a aceitar pagamentos com o cartão de qualquer CEME utilizando a MobiE como agente exclusivo de e-roaming -- responsável pela autenticação de utilizadores e gestão de fluxos de energia e financeiros. Note-se que o AFIR não impõe uma solução equivalente nos países da UE, esta é uma imposição exclusiva a Portugal. Embora uma solução de interoperabilidade sem discriminação seja uma mais valia para os utilizadores, a solução esperada pelo AFIR é o pagamento por cartão bancário, sendo que as plataformas de e-roaming são opcionais. Portugal continua a impor requisitos técnicos únicos no mundo aos operadores que obrigaram à existência de uma solução portuguesa quando optam por investir em Portugal. 

Complexidade do pagamento ad-hoc

O pagamento de uma sessão de carregamento com o cartão bancário é uma operação excessivamente complexa conforme tem de ser implementada em Portugal, conforme demonstrado acima. Esta complexidade leva o utilizador a pagar fluxos financeiros duas vezes para a mesma transação, mesmo quando um OPC compra energia diretamente a um comercializador e a vende ao utilizador: paga a tarifa EGME cujo valor por carregamento é de 0.50€+IVA em 2024 e paga uma taxa de pagamento por cartão tipicamente de 0.9% (0.27€ para um carregamento de 30€). Estes custos não são visíveis nas tarifas ad-hoc por questões de simplicidade, mas os OPCs acabam por ter de as repercutir nas tarifas que praticam. Não faz sentido cobrar duas vezes o controlo de fluxos financeiros.

Idealmente, os pagamentos ad-hoc deveriam ser simplificados, por opção do operador, passando a responsabilidade pelo controle de fluxos energéticos e financeiros para o OPC, tal como acontece no resto da Europa. A interoperabilidade para qualquer utilizador é garantida por um terminal de pagamento bancário. Além disso, a responsabilidade da MobiE reduz-se ao papel de ponto de acesso nacional (PAN) previsto no AFIR, como central de informação.

Links

AFIR - https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32023R1804

RME - https://www.erse.pt/atividade/regulamentos-mobilidade-eletrica/gestao-da-mobilidade-eletrica/ 



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