Numa comparação com os 27 países da União Europeia, Portugal encontra-se atualmente em 25º lugar, apenas 37,6% acima do limite mínimo legal de infraestrutura imposto pelo AFIR (Alternative Fuels Infrastructure Regulation), sendo que a MobiE reporta estarmos apenas 2,8% acima do limite. As redes não reguladas em Portugal contribuem com 13%. A média ponderada europeia é de 137% acima do limite. É imperativa uma reforma do regulamento da mobilidade elétrica e um programa de execução de incentivos para nos aproximarmos do resto da Europa, melhorando assim a experiência de quem adota a mobilidade elétrica.
O que são os objetivos de infraestrutura?
O AFIR é um regulamento europeu que estabelece regras para os agentes de mercado envolvidos no desenvolvimento da infraestrutura de combustíveis alternativos. Este regulamento entrou em vigor a 13 de abril de 2024 e afeta todos os estados-membros da União Europeia, incluindo Portugal. O impacto nos utilizadores de veículos elétricos foi descrito numa publicação da AMME em Abril de 2024.
Um dos vetores pelos quais o AFIR afeta o mercado é o Artigo 3.1, que obriga os estados-membros a facilitar o desenvolvimento da infraestrutura consoante uma métrica objetiva: a potência de carregamento por veículo elétrico em circulação. Este é um objetivo variável que aumenta à medida que existem mais veículos no mercado, sendo particularmente relevante para assegurar que existe infraestrutura de carregamento suficiente para suportar as necessidades.
Esta métrica é particularmente importante para quem está dependente da rede de carregamento público no dia-a-dia, dado que quanto mais veículos existirem, maior é a probabilidade de as estações de carga estarem ocupadas quando são procuradas. Para quem depende da rede em viagem, o desenvolvimento insuficiente implica filas de espera para carregar mais frequentes.
Como se calcula o objetivo?
De acordo com o Artigo 3.1, os estados-membros devem adotar políticas para garantir, no mínimo, a seguinte disponibilidade de potência de carregamento, dependendo do tipo de veículo:
- Para veículos 100% elétricos a bateria: 1,3 kW por veículo.
- Para veículos híbridos plug-in: 0,8 kW por veículo.
Para Portugal, segundo os dados disponibilizados pela MobiE e IMT, esta regra impõe a existência de pelo menos 266,3 MW de carregamento nas redes de acesso público.
Dados do portal MobiData da MobiE, extraídos a 2024-06-21.
Como se encontra Portugal perante este objectivo?
A MobiE, a Entidade Gestora da Mobilidade Elétrica que gere todas as redes de acesso público reguladas, indica que Portugal tem disponíveis 273,6 MW, o que nos coloca apenas 2,8% acima do objetivo.
No entanto, existe uma pequena parcela de redes fora do regulamento para a mobilidade elétrica em Portugal. Seguindo a metodologia mais favorável para esta métrica, onde calculamos a soma das potências máximas de cada tomada de cada ponto de carregamento, a AMME estima que existem em Portugal 13,7 MW da rede Tesla, 9,6 MW da rede Continente e 11,3 MW de outras redes. Estas redes têm um impacto adicional de 13% no objectivo, colocando Portugal 15,8% acima do objectivo.
Estas redes têm encontrado muita dificuldade em desenvolver os seus modelos de negócio em Portugal paralelamente ao que fazem noutros mercados e, consequentemente, têm atrasado o seu investimento no país. Nomeadamente, o maior operador do mundo não abriu uma única nova estação de carregamento em Portugal nos últimos 4 anos. Os operadores que lentamente se têm ajustado à regulação portuguesa, mantêm a rede portuguesa separada da rede do restante continente; por exemplo, carregar num posto Ionity custa acima de 0.90€/kWh usando o meio de pagamento da MobiE em Portugal, enquanto que a tarifa Ionity é de 0.69€/kWh no resto da Europa. O plano de subscrição Passport da Ionity lançado em 2021 e que atualmente baixa a tarifa para menos de 0.49€/kWh, continua a não estar disponível em Portugal.
Apesar de Portugal superar ligeiramente o objetivo mínimo, as vendas de veículos elétricos têm crescido substancialmente mais rápido que a implantação de infraestrutura, pelo menos nos últimos 4 anos. No comunicado de imprensa respetivo às operações de Março, a MobiE indicava que a rede pública estaria 8% acima do objectivo, sendo que em Junho está abaixo de 3%, uma queda de 5% em 3 meses. Por esse motivo, a tendência desta métrica tem sido de rápido decréscimo, pressionando cada vez mais a infraestrutura. A manter-se a tendência e considerando apenas os pontos de carregamento em operação regulamentar, Portugal ficará abaixo dos objetivos do AFIR no fechar do balanço de 2024, e na posição 26º na UE a 27, superando apenas a Malta.
São vários os riscos associados à baixa disponibilidade de infraestrutura para os utilizadores:- Encontrar frequentemente elevadas taxas de ocupação dos pontos de carregamento afasta da mobilidade elétrica novos e atuais utilizadores, atrasando os objetivos da transição energética.
- Filas para carregar mais frequentes em viagem.
- Maior taxa de ocupação dos pontos de carregamento em cidade.
- Com baixa oferta e consequente falta de concorrência entre pontos de carregamento, os consumidores são forçados a optar por pontos mais caros ou de pior qualidade.
Como se encontram os restantes estados-membros perante este objectivo?
O portal do Observatório de Infraestruturas para Combustíveis Alternativos monitoriza esta métrica-objectivo para os 27 estados-membros. Com estes dados podemos comparar o progresso de cada um.
Nota técnica
A AMME extraiu deste portal os dados referentes a 17 de junho de 2024, nomeadamente o objectivo em kW e a potência instalada em kW também, para cada um dos 27 países. Para calcular quanto cada país excede (ou não) o objectivo em percentagem basta determinar o quociente entre a potência instalada e o objectivo, e subtrair 100%. De seguida, ordenamos a percentagem em excesso por ordem decrescente para criar o gráfico mostrado de seguida.
Portugal é um caso em que os dados de fonte oficial em Portugal (MobiE) e o Observatório discordam. O objectivo de potência parece ser menor no Observatório quando comparado com o objectivo MobiE (233 MW vs 274 MW), o que favorece Portugal de uma forma fictícia. Em qualquer cenário, Portugal aparece em 25º lugar comparativamente com os outros estados-membros. A média ponderada pelo objectivo AFIR para os países-membros é estar 137% acima do objectivo.
Ranking Europeu
A análise do ranking acima apresentado coloca Portugal na 25ª posição entre os 27 países da UE, independentemente de considerarmos os dados da MobiE ou do Observatório. Esta posição fundamenta a nossa conclusão de que Portugal se encontra na cauda da Europa nesta matéria.
O nosso país supera apenas Malta, que conta com apenas 4 carregadores rápidos, e a Irlanda. Embora alguns países com frotas reduzidas apareçam no topo da lista, nações de referência com grandes frotas, como a França, a Alemanha ou a Suécia, apresentam o dobro da infraestrutura exigida pelo objetivo. Os Países Baixos, com um território mais pequeno que Portugal, mas com uma estratégia clara de atração de investimento, possuem uma frota quase 4 vezes maior que a portuguesa e, ainda assim, dispõem de mais do triplo da infraestrutura prevista no objetivo. A média ponderada pelo objetivo de cada país situa-se nos 137% para os 27 estados-membros. Em contraste, Portugal apresenta menos de 3% acima do objetivo segundo os dados da MobiE, ou 38% de acordo com o Observatório.
O que se recomenda para Portugal?
É inegável o atraso de Portugal comparado com os congéneres europeus. O objetivo mínimo não deve ser o objetivo a atingir; Portugal deve promover o investimento na infraestrutura da mobilidade elétrica para pelo menos atingir a média europeia.
A regulamentação portuguesa tem sido um dos fatores que atrasa o investimento na rede de carregamento e respetiva qualidade de serviço. Embora a regulamentação em vigor facilite o acesso a uma rede de faturação centralizada a qualquer empresa, também criou uma barreira técnica de protecionismo aos operadores atuais que não estimula nem o investimento em escala, nem a inovação para melhorar a experiência do utilizador. Já em janeiro de 2024 a Autoridade da Concorrência identificou este problema.
Defendemos que a solução tem de passar por uma reforma da legislação e é essa a mensagem que estamos a comunicar à legislatura atual, com base nos dados de crescimento da rede de carregamento pública, com base no que dizem os nossos associados e os agentes de mercado com quem temos dialogado.